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Os microempreendedores hoje no Brasil fazem girar, e muito, a economia do país. Eles são responsáveis por 27% do Produto Interno Bruto (PIB), 54% dos empregos formais e 99% das empresas. No atual momento de crise, as micro e pequenas empresas têm conseguido sustentar os empregos: são 6,4 milhões de estabelecimentos no Brasil, que respondem por mais da metade dos empregos com carteira assinada no setor privado.

Esses dados foram compartilhados pela Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa (SEMPE) do Governo Federal com o público do Fórum Brasileiro de Microempreendedorismo 2018, realizado no último dia 04 de julho pela Aliança Empreendedora e pelo Bank of America Merrill Lynch.

Que os pequenos e médios empreendedores são responsáveis por boa fatia da economia brasileira não resta dúvida. Mas, mais do que isso, eles movimentam também economias locais, promovem inclusão e impacto social.

“A SEMPE tem como linha de atuação o estímulo ao empreendedorismo, que é um caminho de sucesso no Brasil. A gente fica de coração cheio com as histórias contadas aqui nesse Fórum. Acreditamos que é possível fazer um país melhor a partir do empreendedorismo e mudar o Brasil”, diz o Secretário José Ricardo Veiga.

O estudo O macro impacto do microempreendedor, realizado pela Aliança Empreendedora, revela também dados impressionantes. A partir de um mapeamento online do ecossistema, de avaliações internas dos próprios projetos e revisão de estudos já publicados, o trabalho mostra que o faturamento médio de renda dos micronegócios é de R$ 5.670,00, e que 59% deles geram renda suficiente para que seus empreendedores paguem pelo menos suas contas básicas.

Mas há outros impactos a serem contabilizados. “Há um estímulo à economia local notável: 63% dos microempreendedores desejam abrir seu negócio na própria comunidade onde vivem, e 19% querem empreender em região próxima [Data Favela, 2015]. Eles tendem a trabalhar por conta própria, engajando membros da família e vizinhos. E há outros impactos, não mensuráveis, mas que são notados no dia a dia, nas histórias, nos cases que a gente acompanha, e que surgem quando os empreendedores começam a trocar experiências”, diz Helena Casanova Vieiras, diretora de pesquisa e desenvolvimento da Aliança Empreendedora.

Impacto não é só número

O estudo da Aliança Empreendedora destaca, sobretudo, três impactos importantes, que foram demonstrados na prática pelo relato de microempreendedores durante o Fórum. O primeiro deles, já mencionado, é o estímulo à economia local. E o empreendimento Farofa da Elma, de Manaus, demonstra bem esse ponto. O produto é uma farofa pronta, saborizada com proteína (peixe, camarão, carne seca e calabresa) e especiarias, totalmente natural. “É um produto à base de farinha de mandioca que resolvemos incrementar com suplementos nutritivos e sabor, trabalhando com produtos regionais: a farinha e o pescado. Utilizamos a farinha produzida numa região do município de Tefé, elaborada pelos indígenas locais de forma tradicional. Nós apoiamos esses produtores, absorvendo a produção e disseminando a cultura. E já estamos engajados em um projeto de identificação geográfica da farinha na região, para divulgar a procedência e o que é feito por lá”, diz Aline Magalhães, que cuida da parte de logística da empresa.

O segundo impacto apontado pelo estudo é o acesso a produtos e serviços. Os microempreendedores enxergam, nos desafios das comunidades, oportunidades de negócio, buscando levar produtos e serviços que não estão disponíveis ou são de difícil acesso em periferias. O Mexicano da Rua 7, localizado no Jardim Romano, último bairro da zona leste de São Paulo, na divisa com Itaquaquecetuba, é um exemplo claro desse impacto. O empreendimento trabalha com comida mexicana, oferecendo tortilhas importadas dos Estados Unidos e mais de 12 rótulos de cerveja. “Trazemos um impacto bem diferente a um bairro que quase não tinha acesso a coisas desse tipo. Eu não acreditava que havia problema de mobilidade, acesso e preconceito na comunidade. E comecei a ver que existia. As pessoas tinham medo de entrar dentro do restaurante. Cria-se essa imagem que você não pode ter acesso a certas coisas se você é da comunidade. Muita gente do centro foi conhecer o restaurante, conhecer a quebrada. Existe uma cultura ruim de que se uma coisa é muito boa, não existe na quebrada. E isso a gente veio desmistificar”, diz Aline Gutierrez, administradora do Mexicano da Rua 7.

Como terceiro ponto, Helena destaca inclusão e impacto social. Os microempreendedores possuem forte espírito comunitário e são impulsionados a formar redes sociais dentro das comunidades. O Selected Barber Tattoo é um exemplo disso. Willian Gomes da Silva, fundador do empreendimento, foi morador de rua e corta cabelos desde os 16 anos em Porto Alegre. A primeira barbearia foi aberta há 11 meses: “Aquilo foi enchendo de gurizada, jovens iniciantes no tráfico, e então eu resolvi criar a oficina do corte, ensinar mesmo a meninada a cortar cabelo, dar uma opção. Empreguei alguns deles, e logo a barbearia já estava com cinco funcionários. A partir da qualificação da Aliança Empreendedora, e como Porto Alegre estava um pouco violenta para a minha família, me mudei para Santa Catarina e abri outra unidade lá. Deixei a de Porto Alegre funcionando, com os cursos e tudo. E já vou abrir, em Santa Catarina, minha primeira turma da oficina do corte com cinco alunos”, diz ele.

“Continuamos nesse esforço de compreender o microempreendedor e avançar no fortalecimento do nosso ecossistema. Os números são importantes, mas nem tudo cabe em neles. Fazermos um esforço de olhar para os números, mas também para esses casos onde o impacto é cristalino”, avalia Nadir França, pesquisadora da Aliança Empreendedora.

A necessidade de ampliação dos microempreendimentos nas periferias

Os americanos Deonta D. Wortham e Peter W. Roberts publicaram, em janeiro deste ano, o artigo The Macro Benefits of Microbusinesses – new recommendations for the very small businesses that help communities prosper [em tradução livre, algo como Os macro benefícios dos pequenos negócios – novas recomendações para as pequenas empresas que ajudam as comunidades a prosperar]. Pela sintonia com o trabalho realizado pela Aliança Empreendedora, os autores foram convidados a participar do Fórum Brasileiro de Microempreendedorismo 2018.

“Acreditamos que os negócios são inerentemente locais. O papel das microempresas nas economias, mais especificamente nas comunidades locais aqui no Brasil – mas também em outros lugares, como nos Estados Unidos, de onde eu venho – é muito importante”, diz Deonta. “Nossa pesquisa demonstra que micronegócios são desenvolvidos por uma variedade de motivos, e podem ter vários papéis nos seus respectivos ambientes. São praticamente agentes comunitários. Identificam os desejos por meio da família, dos amigos, e procuram respostas para isso. O impacto é local. Conseguem customizar produtos e serviços a clientes que estavam totalmente marginalizados e esquecidos pelos provedores de serviços mais simples. E achamos que os microempreendedores também sabem desenvolver habilidades e ensinar aos funcionários. Descobrimos histórias dessas pessoas. De avós que eram empreendedoras, avós que eram alfaiates, enfim, alguém inspirou esses jovens”.

Uma das constatações da pesquisa de Deonta e Peter, que guarda relação com a realidade brasileira, é que não há distribuição igualitária desses micronegócios, sendo encontrados em menor número nas regiões de mais baixa renda: enquanto nas comunidades de alta renda havia 19.1 empresas por mil residentes, nas de baixa renda esse número era de 13.1. “Há uma diferença de conhecimento, de acesso às oportunidades de trabalho e a mentores que poderão guiar jornadas. É preciso reduzir essa diferença, e estamos trabalhando para isso. É preciso ver o que funciona e o que não funciona nos lugares, e como os negócios podem ficar de pé. E o mais difícil, mas muito importante, é preciso garantir que os microempreendedores consigam enxergar a sua importância, e que o setor público e o terceiro setor possam olhar as microempresas como contribuintes importantes para a vitalidade da economia. Há muito foco, por exemplo, em encontrar uma empresa que vá empregar mil pessoas. Mas imagine como seria bom encontrar mil empresas que empreguem de uma a dez pessoas. Imagine ter cem microempresas atendendo às necessidades da comunidade e inspirando novas gerações a serem também empreendedoras”, analisa Deonta.

Suzana Mattos, Coordenadora de Comunidades do Sebrae Rio, trabalha no setor que atende o empreendedor nas áreas mais pobres, e que tem também necessidades específicas. “Os mais jovens veem no empreendedorismo um modo de ser independente, de não ter que seguir aquele script da carteira assinada. A maioria teve emprego formal antes de empreender. O perfil do MEI (Microempreendedor Individual) da favela é diverso do perfil geral nacional: há maior número de mulheres negras, de meia idade, com ensino fundamental incompleto, e a motivação para empreender é a necessidade. O programa Comunidade Sebrae já apoiou 12 mil microempreendedores nas favelas, formalizando, capacitando e dando consultoria em gestão de negócios. A gente notou uma mudança de perfil – antes eram 80% de MEIs informais; hoje são 60% que já chegam com CNPJ. É um bom indício de que a desburocratização tem funcionado. Os desafios atuais incluem institucionalização das ações de inclusão produtiva, ampliação da escala do apoio ao microempreendedor e sua inclusão na transformação digital”, analisa Suzana.

O Secretário Especial da Micro e Pequena Empresa do Governo Federal, José Ricardo da Veiga, identifica uma série de entidades trabalhando no fortalecimento desse ecossistema do microempreendedorismo, mas destaca a necessidade de promover uma maior convergência desses grupos. “O risco é estarmos todos com boa vontade, mas cada um olhando para um lado. O trabalho da Secretaria busca estimular um diálogo, um eixo de conversão na estruturação da política para micro e pequenas empresas no Brasil. O que permeia esse Fórum promovido pela Aliança é também a colaboratividade, o trabalhar em conjunto. Está previsto no estatuto da micro e pequena empresa a realização do Fórum Permanente das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, que é um espaço onde temos centenas de entidades públicas e privadas para debater as necessidades e eixos importantes para o êxito dos pequenos negócios. A base da economia brasileira é o microempreendedor, e temos que ajudá-lo a crescer. Queremos que o negócio informal se torne MEI, que o MEI se torne microempresa. Por isso trabalhamos com parcerias dos mais diferentes tipos, para termos um Brasil mais forte, apoiado no empreendedorismo e ajudando o empreendedor”, completa.

Entendendo o ecossistema e as necessidades dos microempreendedores

“A somatória dos esforços dos microempreendedores muda mesmo o Brasil. Desconfiávamos que havia muitas organizações fazendo diferença. Não só organizações da sociedade civil, mas negócios sociais, o próprio governo, muita gente atuando na vida dos microempreendedores Brasil afora”, diz Lina Maria Useche Jaramillo, diretora executiva da Aliança Empreendedora.

“Ano passado trouxemos um mapeamento que mostrou essa amplitude, e percebemos como esse ecossistema é rico. O segundo passo, que damos agora, é, já entendendo o ecossistema, entender o microempreendedor e juntar essas duas coisas, com a intenção de que esse movimento se fortaleça cada vez mais para que o microempreendedor se sinta empoderado e queira crescer. Começamos, nesse ano, a jornada de impacto do microempreendedor”, analisa.

Oportunidade de gerar trabalho e renda localmente, descentralizar a renda e tornar mercados locais mais dinâmicos, criativos e inclusivos. Essas são as oportunidades criadas pelo microempreendedorismo na visão de Lilian Prado, fundadora do Acreditar Microcrédito, que funciona em Pernambuco desde 2001.

“É um contexto que cria oportunidades para que as pessoas não deixem suas comunidades. A riqueza está lá. Precisamos ver como transformar isso, promovendo empoderamento, engajamento, geração de riqueza, em especial no contexto das mulheres. Elas empreendem muito. Ouvi muitas mulheres que empreenderam e dizem que o mais mudou em suas vidas foi o fato de se sentirem livres para escolher. Esse ideal de liberdade é também importante. É necessária a existência de um ecossistema que promova o desenvolvimento do empreendedorismo na base, que consiga descobrir o que ela precisa e acreditar. E o apoio não pode ser só financeiro. Precisamos de outras coisas.”

Outro ponto importante colocado por ela é a importância de estimular e disseminar o empreendedorismo. “As pessoas não sabem que podem fazer. Precisamos descobrir como estimular um movimento de colaboração local para potencializar o alcance. Hoje o empreendedor que trabalha com agricultura orgânica, por exemplo, se une a outros dez para conseguir vender a uma grande rede. O meio rural parece que já entende isso. Temos que trazer essa visão para o urbano. Porque para o microempreendedor vencer a barreira dos três anos, precisa de muitos apoios. A gente precisa olhar para a base, porque muitas vezes criamos soluções de cima para baixo. E os empreendedores pequeninos são muitos no nosso país”.

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