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Atualmente os microempreendedores (MEI) representam cerca de 70% dos negócios formais no país, de acordo com o Ministério da Economia. Isso sem considerar aqueles que operam na informalidade, estimados em até 25 milhões de pessoas que empreendem, de acordo com o estudo da Aliança Empreendedora por meio do Empreender 360, Todos Podem Empreender. Neste artigo, discutiremos a relação desse grupo com o acesso ao microcrédito, um ativo importante que pode gerar transformações duradouras na vida de quem empreende, e o potencial de conectar crédito com uma capacitação e conhecimento adequados para os microempreendedores.

Segundo dados do SEBRAE Nacional que considera apenas empreendedores formalizados, aproximadamente 9,8 milhões de homens negros empreendem no Brasil, 8,7 milhões de homens brancos, 5,0 milhões de mulheres brancas e 4,7 milhões mulheres negras. Porém, o universo do empreendedorismo é amplo e abrange diferentes perfis – com uma grande parcela da população empreendendo na informalidade ou com CNPJ, em situação de fragilidade, não sendo sequer contabilizados nesses estudos.

Apesar dos avanços nas pautas sociais e nas políticas públicas, esse grupo ainda enfrenta altos níveis de vulnerabilidade, o que resulta em dificuldades no acesso ao crédito. Essas dificuldades podem ser atribuídas a questões sociais, raciais e à falta de informações claras e políticas eficazes voltadas para os microempreendedores. Dados sobre esse público mais vulnerável dentro do empreendedorismo são escassos, o que contribui para que as políticas públicas e ações do ecossistema como um todo cheguem com mais frequência para os mesmos grupos, deixando de lado uma parcela da população que também empreende, mas está “fora do sistema”.

Visualizar esse perfil e o que significa o acesso a crédito para esse público é fundamental para que pensemos em soluções adequadas e compatíveis com sua realidade, como explica a Camila Reis, coordenadora da Aliança Empreendedora e que por muito anos tem acompanhado a realização de projetos que envolvem soluções financeiras. “Quando falamos de acesso a crédito para os microempreendedores, as pessoas não conseguem visualizar como um pequeno investimento pode fazer tanta diferença. No caso da Aliança, falamos de crédito que podem partir desde o valor de R$250,00, R$300,00 e para o microempreendedor significa um grande avanço para o negócio: compra de materiais novos, ajudando no aumento da produção, aquisição de um meio de transporte como uma bicicleta, que facilite a entrega, de um forno maior, que aumente o volume de produtos comercializados. Isso significa investimento e crescimento que muitas vezes ficam represados por falta de recursos”.

Um levantamento do Sebrae mostra que, entre 2020 e 2022, cresceu a proporção de microempreendedores que encontraram dificuldades para obter um novo crédito ou financiamento. A proporção saltou de 63% para 84%. A dificuldade de acesso levou 73% dos MEIs buscarem crédito por meio da pessoa física nos últimos cinco anos, ao invés de utilizar o crédito para pessoa jurídica. Acessar crédito nesse modelo resulta em um grande risco financeiro para os pequenos negócios. Além disso, tais dados refletem apenas os formalizados. Quando falamos de microempreendedores informais a situação é bem mais crítica.

Isso destaca uma lacuna significativa na oferta de crédito direcionado a essa categoria. Um estudo da FGV estima essa lacuna em cerca de R$ 200 bilhões, evidenciando a necessidade de mais iniciativas para atender a essa demanda. Alguns dos problemas mais comuns no acesso ao crédito incluem: Insegurança na busca por crédito: muitos microempreendedores temem não conseguir cumprir suas obrigações financeiras ou enfrentar dificuldades para pagar as parcelas dos empréstimos. Essa incerteza pode levar à relutância em buscar crédito, mesmo quando necessário para o crescimento e estabilidade do negócio.

  • Pouco acesso a informações sobre ofertas de crédito: desconhecimento sobre as instituições ou programas de microcrédito que poderiam atender às suas necessidades específicas. A ausência de informações relevantes sobre taxas de juros, prazos e requisitos dificulta que esses empreendedores tomem decisões informadas.
  • Diagnóstico inicial e orientação:  dependendo da necessidade de crédito é preciso estruturar um plano de investimento do negócio, algo complexo e que na maioria dos casos exige consultoria especializada, um serviço que grande parte dos microempreendedores não tem condições de contratar. Além disso, investir sem entender exatamente como e no quê é mais estratégico, pode ser um grande risco.
  • Ausência de histórico de crédito e informações confiáveis: Para as instituições financeiras tradicionais, a ausência de histórico de crédito é um fator de alto risco na concessão de empréstimos. Os microempreendedores, principalmente os que estão começando, geralmente não possuem um histórico consolidado de crédito. Isso faz com que as instituições financeiras hesitem em oferecer crédito, mesmo que o empreendedor tenha um projeto viável e sustentável.
  • Juros muito altos: um dos principais pontos é a taxa de juros, que impacta desde o acesso ao crédito a até mesmo saúde financeira dos negócios a longo prazo.

Além disso, é importante destacar a influência de fatores como raça e gênero. Embora os empreendedores negros e negras sejam maioria entre os que administram pequenos negócios, ainda são minoria naqueles que conseguem acessar crédito.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelos empreendedores, o microcrédito emerge como uma alternativa viável e benéfica para preencher a lacuna na oferta de crédito e proporcionar oportunidades de desenvolvimento econômico para os empreendedores em vulnerabilidade. Com taxas de juros mais baixas e condições de empréstimo flexíveis, o microcrédito permite que os empreendedores obtenham o capital necessário para investir em suas atividades comerciais sem comprometer sua capacidade de pagamento. Portanto, é essencial que organizações, empresas e principalmente o setor financeiro estejam atentos, criando e promovendo ações que facilitem o acesso a crédito, fornecendo informações e orientações acessíveis, além de estimular políticas públicas que beneficiem os microempreendedores brasileiros.

Nesse cenário, uma parceria importante da Aliança Empreendedora tem se destacado aliando acesso a microcrédito com conhecimento e capacitação: o Ceará Credi. O Programa é uma iniciativa do Governo do Ceará, realizado por meio da Agência de Desenvolvimento (ADECE), e tem o objetivo de contribuir com a criação e fortalecimento dos pequenos negócios no estado, gerando mais emprego e renda.

O Ceará Credi iniciou a parceria com a Aliança Empreendedora em 2021 por meio de um projeto voltado ao fortalecimento financeiro de pequenos negócios. Desde o início da parceria mais de 27 mil microempreendedores que solicitaram microcrédito com o Ceará Credi também receberam acesso a uma ou mais capacitações específicas da Aliança Empreendedora, desses 12 mil pessoas acessaram capacitação e crédito com a organização. Nesse modelo da parceria, duas capacitações onlines e gratuitas disponíveis do Tamo Junto são pré-requisito para que os microempreendedoresacessem o crédito ofertado pelo Ceará Credi. Apenas após as capacitações, com certificados emitidos, que os microempreendedores conseguem acessar os recursos solicitados.

São conteúdos que orientam e apoiam os microempreendedores para que invistam e cresçam com esse recurso de forma mais sustentável, como por exemplo os cursos: “Prepare-se para o crédito”, e o “Passo a passo para o plano de negócios”. Ao se inscrever nos cursos, os participantes também têm acesso a uma série de outros conteúdos e ferramentas gratuitas do Tamo Junto que podem fortalecer o seu desenvolvimento enquanto empreendedor.

Como detalha Maria da Conceição Faheina de Oliveira, gerente de políticas, programas e parcerias da ADECE (Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará), ampliar o acesso somente aos serviços financeiros pode não garantir se o seu uso conseguirá promover a inclusão financeira e o desenvolvimento sustentável do empreendedor, e nesse ponto, a capacitação entra como uma importante aliada em sua jornada. “O acesso ao crédito aliado à capacitação pode ajudar muito na inclusão financeira, na redução da pobreza e da desigualdade.  A capacitação da Aliança Empreendedora permite que os empreendedores administrem melhor seus negócios, suas finanças, a tomada de decisões para cobrir suas necessidades imediatas e de longo prazo. Aumento da renda do negócio e da familia; geração de novas ocupações, aumento de renda; redução da violência doméstica; empoderamento feminino; aumento de filhos com melhor alimentação e anos de estudo, são alguns dos benefícios que a oferta de crédito aliada a conhecimento pode gerar tanto aos microempreendedores, quanto para suas famílias”.

Peróla de Oyá começou a empreender ainda muito jovem ajudando sua mãe que era baiana de acarajé em Salvador, além de empreender realizando eventos e como trancista. Ao se mudar para Fortaleza, passou a empreender na cidade, inclusive com o tabuleiro de Acarajé e outros pratos típicos. O acarajé deu muito certo e foi um grande sucesso, porém, com o desejo de criar um espaço coletivo cultural, buscou o Ceará Credi para apoiar a construção deste novo sonho. “Eu e mais quatro amigos, cada um na sua área, cada um com sua história, precisávamos de um grupo para criar esse espaço cultura e nos juntamos para conseguir ter o recurso financeiro com o projeto do Ceará Credi, que deu super certo. Foi ótimo, todo mundo conseguiu se beneficiar de alguma forma. É aquela história de ninguém solta a mãe de ninguém, um ajuda o outro, todo mundo se ajuda juntos, levando em conta que cada um é diferente, que pensamos de forma diferente, mas todo mundo junto a força fica mais consolidada”, explica Pérola.

Empreendedora apoiada com a equipe do Ceará Credi em Fortaleza

No modelo de parceria do Ceará Credi com a Aliança Empreendedora, a Pérola participou de dois cursos online do Tamo Junto voltados à finanças, o que a ajudou a organizar seu fluxo de caixa e planejar investimentos. “É muito importante esses cursos que o projeto disponibiliza para a gente, pois embora atue há muito tempo enquanto empreendedor, tem muitas coisas que você não sabe. Eu falo por mim mesma, que sou empreendedora desde sempre mas sou ambulante. Como estou na rua, eu não tinha tempo para estar com o livro caixa anotando tudo, organizando as finanças, porém quando tem um curso desse você para e vê que de alguma forma, por mais dinheiro que ganhe, não está sabendo como investir, e tem muito prejuízo. Por isso esse apoio pelo Ceará Credi para termos acesso aos cursos de graça, e organizar o nosso financeiro e negócio, é uma ajuda fantástica, só temos a crescer”.

Empreendedora Peróla de Oyá acessou crédito para investir em seu negócio de pratos típicos

Criar modelos de acesso a crédito e investimento mais sustentáveis, aliados a orientação adequada é um dos principais desafios quando pensamos na inclusão e desenvolvimento dos pequenos negócios. E essa reflexão precisa ser frequenta para organizações e governos que buscam a inclusão desse público.  “Em todos os diagnósticos e pesquisas que realizamos com os microempreendedores, o ativo que é mais mencionado como desafio é o acesso a crédito.  A inclusão financeira desses públicos mais vulneráveis precisa acontecer se quisermos construir uma economia mais justa. E isso vai além de oferecer o crédito, envolve desde processos acessíveis a até mesmo um atendimento e olhar mais inclusivo para o público que busca esses serviços”, explica Lina Useche Jaramillo, cofundadora e head de relações institucionais da Aliança Empreendedora.

A reflexão que fica é a importância de se construir alianças e soluções que olham para esses desafios de forma sistêmica. É necessário compreender os diferentes níveis de complexidade onde organizações contribuem com sua especialidade em cada ponto nessa cadeia de relacionamento no acesso ao crédito, impulsionando a potência que os pequenos negócios representam no Brasil e no mundo.

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