Carioca e empreendedora, Marcele Porto viveu grandes mudanças em sua trajetória. Empreendendo de diferentes formas e sem medo de “ajustar rota”, ela conta um pouco sobre o impacto do empreendedorismo nas tomadas de decisão da sua vida profissional e pessoal
Professora, consultora, mentora de pequenos negócios, pesquisadora da temática “Empreendedorismo Feminino”, e por fim, empreendedora: é assim que se define Marcele Porto da Silva, ou Marcele Porto no ecossistema do empreendedorismo, como ela mesma nos contou. Formada em Administração e mestre em Empreendedorismo, em 2013 ela investiu na criação do que viria a ser o primeiro hostel temático de cerveja na cidade do Rio de Janeiro. Mais tarde, em 2017, foi reconhecida pela Aliança Empreendedora quando foi vencedora do Prêmio CITIBank na categoria “Jovem Microempreendedor Atuante” . Entre as reviravoltas da vida, Marcele precisou se reinventar diversas vezes até entender, de fato, qual era a sua missão e encontrar reconhecimento profissional aliado ao seu propósito pessoal.
Marcele, você tem uma trajetória bem extensa como empreendedora e transitou por diferentes lugares com o empreendedorismo. Como essa jornada se deu início?
Quando eu abri a minha empresa e fiz um CNPJ, eu nem sabia muito bem o que significava a palavra “empreendedora”. Trabalhava como CLT desde os 17 anos, vi uma oportunidade de negócio e achei que seria uma boa investir no meu sonho: ter uma pequena pousada – mas na verdade, abri o primeiro hostel temático de cerveja do Rio de Janeiro. Eu tinha um trabalho formal e vi o negócio realmente como um investimento, já que aqui no Rio de Janeiro iríamos receber a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016). Junto com quatro amigos, abri o negócio e foi uma experiência riquíssima, me fez aprender muito. Hoje é muito comum, todo mundo é empreendedor, todo mundo usa #mulheresempreendedoras, mas em 2013, se jogasse isso no Google era difícil entender essa palavra. Foi me conectando com redes de mulheres empreendedora como o Mulher Empreendedora, do Itaú, a Escola de Você, e depois a Aliança Empreendedora – que organizou o prêmio CITI em 2017 – que passei a entender o que era esse movimento de empreender e tô nessa até hoje. O bichinho me picou (risos), eu ainda tentei voltar para CLT, por conta dos benefícios e de uma vida inteira com carteira assinada, mas depois que ganhei o prêmio CITI entendi que a minha missão é compartilhar o conhecimento com as pessoas que não tiveram a mesma oportunidade educacional que eu tive. Por isso sou fã da Aliança, ela me proporcionou que eu possa fazer o que eu faço porque foi o primeiro lugar onde fui reconhecida como essa pessoa empreendedora.
Dentro dessa jornada existiram alguns momentos de “regular a rota”, certo? Quais foram os principais momentos que você precisou ajustar sua trajetória como empreendedora? E na época, quais foram os sentimentos e necessidades que provocaram essa mudança?
Duas semanas antes de me casar eu fui demitida. Junto com meu marido, levei minha casa para dentro da empresa e isso foi extremamente difícil. O início de um casamento já é complicado, são dois mundos totalmente diferentes que estão se reorganizando e administrar um negócio com isso foi bem difícil. Tive que demitir funcionários, cortar custos, enxugar tudo. Comecei a viver do meu negócio, mesmo sendo formada, com MBA em Controladoria e Auditoria em finanças, sabendo que meu negócio só iria começar a se pagar em 3 ou 4 anos, mas precisando que em seu segundo ano aberto, ele me pagasse um salário igual ao do meu antigo emprego. É óbvio que isso não aconteceu e foi muito frustrante, passei todo ano de 2016 tentando voltar para o mercado, mas as pessoas já me viam como uma super empreendedora e aí eu recalculei a minha rota. Quando peguei o prêmio CITI, pensei: “Vou começar a trabalhar compartilhando conhecimento, porque eu acho que sou bem vinda aqui”. A partir daí, trabalhei muito em 2017 como voluntária, participando de muitos movimentos de mulheres empreendedoras, em 2018, abri um MEI – o Marcele Porto Soluções – comecei a dar aula no SESC e fui modificando aos poucos meu lado profissional e entendendo que eu poderia caminhar de outra forma até o meu negócio – o hostel – atingir a maturidade. Quando achei que tudo estava tranquilo e me adaptando com as novidades, em 2019, o dono do imóvel onde o hostel funcionava resolveu vender o imóvel. E aí foi outra virada.. Na época eu estava estudando para a prova do mestrado. Assim eu fechei o hostel em maio e no dia 31 de Maio de 2019, eu já estava em sala de aula lecionando para executivos da FGV. Em junho de 2021, eu lancei um livro e fui para Cartagena, onde recebi o prêmio como Melhor Mentora do Mundo, apoiada pela Aliança Empreendedora junto ao YBI. A vida veio me retribuindo tudo que eu batalhei desde 2016, quando entendi que não ia dar mais para trabalhar como CLT e que precisava me virar nos 30 para fazer acontecer.
Atualmente você segue atuando como mentora além de outras atividades com o empreendedorismo. Consegue contar pra gente quais são seus próximos passos nessa jornada?
Hoje eu sou pesquisadora e tenho tentado levar toda minha vivência pro universo acadêmico. Conquistei o título de mestre no ano passado e estou trabalhando ao longo deste ano para transformar minha dissertação em artigo. Também pretendo no ano que vem fazer um doutorado buscando uma teoria para o empreendedorismo feminino, que a gente experimenta e escuta o senso comum mas ainda não existe base teórica dentro da academia. O empreendedorismo feminino é muito além do que abertura e gestão de negócios feita por mulheres, é espaço de atuação, de liderança. Precisamos mergulhar nas teorias feministas pra ter esse olhar do que a gente experimenta, do que a gente vivencia com mulheres que têm seus negócios e transformam as suas vidas, das suas famílias e das suas comunidades, e que fazem também com que a sua posição social sejam diferenciadas e que as pessoas a sua volta às enxerguem nessa posição de liderança.
Que competências e habilidades você acredita que são necessárias para as pessoas que querem mudar seus negócios, ou até mesmo carreiras? O que vemos é que em muitos casos, o medo da mudança ou até mesmo a comparação com outras histórias, dificultam ainda mais essa tomada decisão.
Eu sempre digo, e até escrevi isso no meu livro “Alma feminina no negócio”, que quando a gente empreende, damos um mergulho profundo em alto conhecimento. , Independente de ter um negócio ou não, precisamos estimular o nosso comportamento empreendedor diante da vida: para assumir riscos, analisar o mercado, analisar a sua volta, construir pontes, se movimentar em networking, ter rede de relacionamentos, ter rede de apoio. São muitos movimentos que a gente pode ter e deve ter, ainda que não se tenha um negócio. Hoje cada vez mais o mundo dos negócios precisa de pessoas que desenvolvam essas competências e habilidades que fazem parte do comportamento empreendedor. O medo de errar pode existir, mas superar ele também faz parte do processo. Muitas vezes as tomadas de decisão são muito influenciadas por expectativas da família, da sociedade, pressões sociais e só quando a gente olha pra dentro e mergulha em si mesmo, a gente consegue bater de frente e superar todos esses entraves que muitas vezes se tornam obstáculos na nossa trajetória.
Apesar do Brasil contar com milhões de empreendedoras à frente de negócios , é visível os desafios diários que as mulheres enfrentam, inclusive para empreender. A partir da sua experiência como mulher empreendedora, quais são os desafios que organizações e governos precisam olhar quando falamos em criação de políticas públicas e soluções para esse público?
Primeiro é preciso entender que existem lugares de partida diferentes. Existem mulheres que são empreendedoras por necessidade, porque não existe outra forma de colocar comida em casa; existem mulheres que são empreendedoras porque viraram mães e o mercado de trabalho não estava preparado para absorver essa mulher de volta, e aí nasce uma mãe empreendedora; e existem também as mulheres que empreendem por oportunidade, que são altamente qualificadas e enxergam potencial em diferentes tipos de business. O primeiro ponto é que as políticas públicas sejam desenvolvidas não colocando todas as mulheres em um mesmo lugar, mas entendendo as peculiaridades de cada uma, com um olhar e escuta atenta pras reais necessidades do público que se quer atingir. Muitas vezes existem projetos maravilhosos mas que não atendem realmente a necessidade daquela mulher que está na favela, mãe de sete crianças, sem rede de apoio para ajudar com os filhos e precisa empreender para colocar comida em casa. A sensibilidade para distinguir os pontos de partida dessas mulheres é o fator principal para começar a pensar em políticas públicas nessa direção.
Uma das suas principais atividades é com a mentoria. Como foi para você se encantar com esse universo enquanto mentora? Que contribuição este tipo de relação pode gerar tanto para os empreendedores, quanto para o mentor e a organização parceira?
Eu acho que a mentoria, na essência da palavra, que é a troca de experiências, ela é magnífica e maravilhosa. É claro que, ao longo do tempo, o conceito de mentoria foi se alterando, o mercado foi usando a palavra mentoria para muitas coisas. Eu tento manter a questão do mentor como alguém que tem mais experiência e compartilha erros e acertos de uma jornada de vida real, uma jornada de quem vivenciou determinado tipo de situação. Assim como eu tive mentores na minha vida que me ajudaram a tomar decisão por se abrirem e compartilharem comigo o processo de decisão deles, é isso que eu tento fazer também enquanto mentora. É muito bom ver diversas ongs, como a Aliança Empreendedora e o projeto Hub Santa Marta, que eu atuo hoje, fazendo essa integração. Não só capacitando através de workshops, treinamentos, mas possibilitando que os empreendedores tenham essa troca mais personalizada. Focada nessa troca de experiências e nesse acompanhamento, que muitas vezes nem é só do negócio, é um acompanhamento mesmo da gangorra de emoções que o empreendedor vive. Ter um suporte para nossa tomada de decisão, quando em geral o empreendedor é extremamente sozinho nas suas decisões, com certeza ajuda esse negócio a performar melhor, ajuda o empreendedor a ter mais confiança para tomar as suas decisões e também para recalcular a rota se necessário.
Hoje ao olhar para sua história, todos os sonhos, conquistas e mudanças construídas por você, que conselho daria para alguém que deseja esse “reajuste de rota” mas ainda não sabe por onde começar? E como você imagina que as organizações e empresas devam olhar para essa mudança na jornada do empreendedor?
Eu acho que toda mudança requer muita coragem, então, entendo que a organização ou empresa que vê alguém que deu uma virada de 360 graus na vida, precisa olhar para essa pessoa com um olhar diferente, com um olhar de potencial. Quem tem coragem de virar a chave pra fazer acontecer, tem um potencial enorme dentro de si. Quando passamos a ser reconhecidos, ter parceiros, empresas, ongs, negócios,, enfim, quem quer que seja que reconheça a mudança, a tomada de decisão para virar a chave com um olhar positivo, é muito importante. Fortalece muito e dá combustível para que as pessoas sigam e digo isso por experiência própria. E um conselho pra quem não sabe por onde começar? Eu sempre digo que no fundo a gente sempre sabe por onde começar. Quem tem o comportamento empreendedor muito desenvolvido está com o radar ligado, prestando atenção e observando o movimento de tudo. Vivemos um momento no país em que é muito difícil conseguir um trabalho, uma oportunidade CLT, mas dentro de nós, sempre temos a resposta. Então eu repito, que autoconhecimento é a chave. Não é obrigado todo mundo ser empreendedor nesse mundo, também não é obrigado todo mundo ser CLT, ou todo mundo fazer concurso público. Tem espaço para cada um e a medida de sucesso de cada um é única. Na hora que estiver confusa ou indecisa, que não souber realmente qual direção tomar, pare e não faça nada, com certeza a resposta vai estar dentro de você.