Se a resposta é não, atenção. Os dois conceitos podem mudar a forma como trabalhamos e consumimos.
No início de agosto, INFO lançou um desafio. Colocou no site Zooppa as premissas para que designers criassem o visual das oito páginas desta reportagem. O objetivo do concurso era ilustrar o que é crowdsourcing, conceito que começa a ganhar força no Brasil. Criado em 2006, ele aproveita a inteligência e o conhecimento coletivos para resolver problemas,criar conteúdo e desenvolver novos produtos. Durante duas semanas, mais de 480 designers baixaram o briefing postado pela INFO. Desses, 23 enviaram trabalhos adequados ao padrão da revista, que foram submetidos a uma votação. O ganhador, Leonardo Porto, 18 anos, acompanhou na redação da INFO os retoques finais da reportagem.
O crowdsourcing já é uma realidade na propaganda, mas cresce para outras áreas de forma rápida. No início deste ano, um anúncio do salgadinho Doritos elaborado por um fã da marca foi exibido durante o intervalo do Super Bowl, final do campeonato de futebol americano e um dos minutos de TV mais caros e concorridos do mundo. O vencedor do concurso faturou 25 mil dólares e um ingresso para assistir ao jogo. No Brasil, jovens profissionais têm a chance de mostrar seu trabalho e já começam a receber por ele. Veja o caso do paulista Mark Nobre. Modelo e fotógrafo de profissão, Nobre já recebeu mais de 15 mil dólares produzindo videos virais para empresas como Fiat, Nova Schin, Nextel e Axe. Detalhe: ele nunca estudou publicidade e jamais trabalhou numa agência. Nobre soube dos concursos pelo site Zooppa, plataforma online que surgiu na Itália, ganhou músculos nos Estados Unidos e chegou ao Brasil no ano passado.
Com o regulamento em mãos, Nobre escreveu os roteiros e chamou amigos para atuar. Depois de uma votação aberta do público, ficou em primeiro lugar em dois dos desafios e em segundo nos outros. “Para um autodidata é complicado entrar nessa área”, diz Nobre. “Teria de começar lá de baixo, mas já estou com 30 anos.” O crowdsourcing abreviou o caminho. A mobilização coletiva está também na essência da Transparência Hacker, uma comunidade de ativistas que usa a tecnologia para defender o acesso livre às informações do governo. Com financiamento dos internautas, o grupo levantou dinheiro para realizar um dos seus projetos mais ambiciosos: o Ônibus Hacker.
A ideia é mostrar que dá para levar tecnologia e conscientização política e social para municípios distantes dos grandes centros urbanos. Para isso, a trupe vai viajar pelo país e, durante o percurso, promover encontros, desenvolver ações locais e criar aplicativos úteis à sociedade. A iniciativa foi colocada no site Catarse, em julho, e pedia 40 mil reais para a compra e a reforma do ônibus. O resultado superou as expectativas. O grupo conseguiu quase 50% mais que o pedido. “Ainda faltava metade do valor a dez dias do prazo final. Gravamos um vídeo novo para explicar a proposta. Também fizemos um ônibus de papelão e saímos andando pela avenida Paulista”, diz Daniela Silva, 25 anos, integrante da Transparência Hacker. Ao todo, foram 464 doações em cotas que variavam de 10 reais a 5 mil reais. Agora, falta adquirir o ônibus, acertar os detalhes da reforma — incluindo o tipo de conexão à internet — e definir que ideias serão colocadas em prática. Existem hoje 789 serviços baseados em crowdsourcing no mundo, segundo dados do Crowdsourcing.org. A internet é usada como facilitador para todo tipo de negócio: financiar documentários independentes, ajudar no desenvolvimento de produtos, criar campanhas publicitárias e até fornecer crédito para microempreendedores. Moradora do bairro de Uberaba, na periferia de Curitiba (PR), Lucinéa Cavalheiro Cordeiro precisava expandir sua produção artesanal de velas para sustentar a família. “No banco, só consegue crédito quem tem renda comprovada”, afirma Lucinéa, que precisava de 700 reais para comprar mais formas e, assim, aumentar seu negócio. O dinheiro veio pela internet. O pedido de crédito de Lucinéa foi cadastrado no site Impulso (impulso.org.br), mantido pela organização sem fins lucrativos Aliança Empreendedora. O serviço faz o meio de campo entre aqueles que estão em busca de dinheiro e as pessoas que querem contribuir com um valor de, no mínimo, 25 reais. O empréstimo pode ser pago em várias parcelas pelo beneficiado, sem juros. Com o dinheiro, Lucinéa já começou a expansão. Recebeu uma encomenda de 25 mil kits de velas da Lojas Pernambucanas. “É o primeiro de muitos pedidos que pretendo conseguir a partir de agora”, afirma.
O termo crowdsourcing é novo, mas a ideia de reunir pessoas para tentar resolver um problema, não. Uma das primeiras experiências do gênero aconteceu na Inglaterra do século 18, na época das grandes navegações. O governo inglês lançou um desafio: se alguém encontrasse uma maneira de se localizar com precisão no mar usando apenas a longitude e a latitude ganharia 20 mil libras – uma fortuna à época. O vencedor foi John Harrison, um relojoeiro que inventou um cronômetro marinho. No nosso tempo, com a popularização da internet e a febre das redes sociais, a tecnologia permitiu que a colaboração reunisse um número muito maior de pessoas.
“O ser humano gosta de compartilhar os mesmos valores”, afirma Mario Faria, professor de marketing e estratégia da Business School São Paulo. Hoje, as modalidades de crowdsourcing são tantas que algumas já se transformaram em universos à parte. O crowdfunding, por exemplo, é adotado para bancar, com investimentos, projetos artísticos ou de produtos voltados para um público restrito. “Em breve falaremos de crowdsourcing como ‘trabalho distribuído’ ou ‘inovação aberta’”, diz Jeff Howe, jornalista que cunhou o termo, em 2006, e autor do livro O Poder das Multidões.
SHOW CONTRATADO PELA PLAT
O Queremos (queremos.com.br) é um exemplo de crowdfunding. O site foi montado por quatro amigos inconformados com a falta de shows de seus artistas preferidos no Rio de Janeiro. “Não começamos como um negócio”, diz Bruno Natal, 33 anos, sócio do grupo. “Tivemos uma ideia para resolver um problema.” A ideia básica é chamar os internautas para dividir o custo de uma apresentação. Quando atinge o orçamento estimado do show, o Queremos vende outra leva de ingressos e reembolsa a turma inicial de financiadores com a arrecadação da bilheteria, além de ficar com o lucro. O grupo já conseguiu contratar bandas como The National, LCD Soundsystem e Belle & Sebastian. Até o fim do ano, pretende repetir o modelo em mais cidades do país. Até uma brincadeira pode se transformar num projeto de crowdsourcing. Ao conversar com fãs da banda Foo Fighters, o publicitário Rafael Ziggy criou um evento no Facebook sugerindo um show do grupo no Brasil, com ingressos a 50 reais. “Foram 20 mil confirmações para o evento no primeiro dia e mais de 40 mil no segundo”, diz Ziggy. (…)