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Inspiradora das metodologias da Aliança Empreendedora com a teoria Effectuation, forma de pensar o empreendedorismo a partir de recursos já existentes e da criatividade dos empreendedores, a indiana Saras Sarasvathy esteve em São Paulo para participar do Encontro Nacional da Aliança Empreendedora, realizado no início do mês de junho.

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O encontro foi um bom momento para entender as raízes do trabalho de Saras, que tem entre suas principais premissas o fato de o empreendedorismo poder ser aprendido por qualquer pessoa, já que não é genético, nem exclusivo de “gênios” ou pessoas de sorte. O Effectuation pontua que, a partir da observação dos resultados e informações obtidos com as decisões tomadas, sejam adotadas possíveis mudanças de curso.

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Crescida numa família caracterizada por ela como de baixa classe média, Saras logo percebeu que os pais não poderiam arcar com os custos da faculdade. “Era boa aluna, mas estava claro que se eu não conseguisse uma bolsa total de estudos, eu não poderia continuar. Naquela época havia poucas bolsas totais de ensino superior. E uma delas foi oferecida por uma das maiores empresas da Índia e do mundo. Conseguir a bolsa era um processo complexo, era preciso inclusive ler a biografia do fundador das empresas, no século 19. “Esse livro mudou minha vida. O fundador era uma pessoa que, numa época em que a Índia ainda era colônia do Reino Unido, fazia de tudo em suas empresas, desde sabonete, carros, buzinas…era muito inspirador. Consegui a bolsa completa”, conta Saras.

Ela resolveu estudar e entrar no ramo dos negócios. A família estranhou, pois a tradição para quem conseguia esse tipo de bolsa era ingressar em cursos ligados a engenharia, ciência ou medicina. Inspirada pelo empreendedorismo, ela mesma abriu várias empresas. “A experiência comum para todos nós como empreendedores é a rejeição, o fracasso. Meus primeiros negócios foram um desastre total. Eu não sabia nada a não ser tirar notas altas e cozinhar – porque se você vem de uma família pobre, todos sabem cozinhar. Meu primeiro negócio era um restaurante vegetariano. Não deu certo. Mas cada fracasso nos ensina. E durante essa jornada eu me envolvi em educação. Eu percebi que, mais importante do que ter sucesso nos negócios, é compartilhar essa ideia de que os negócios são uma forma de sair da pobreza e ter acesso à educação”.

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Na vida acadêmica, o trabalho de pesquisa da indiana teve um caráter bastante prático, buscando compreender empresários e empreendedores de sucesso em seus processos de empreender nos Estados Unidos. “Fui ver o que um expert, que dirige uma empresa durante 15 anos ou mais e já passou por todas as experiências, pode ensinar sobre empreendedorismo. E ali começaram os princípios do Effectuation. Busquei extrair o conhecimento que as pessoas acumulam por meio da experiência e transformar isso em material que pudesse ser usado em sala de aula”, relembra Saras.

“Fizemos uma revisão e hoje há mais de 700 trabalhos publicados, elaborados por pessoas que ensinam Effectuation. Muito do que eu digo hoje vem do resultado do trabalho de outras pessoas, não só do meu. E o trabalho original vem de empresários que não tiveram nenhum treinamento com o Effectuation. A vida lhes ensinou. Esses empresários tinham vivido a experiência da incerteza e da falta de previsibilidade, e chegaram a conclusões opostas às da metodologia da lógica causal. Se o futuro é imprevisível, é preciso encontrar outra maneira de tomar decisões. É a lógica do eficaz: na medida em que não podemos controlar o futuro, não precisamos prevê-lo. Vamos trabalhar com aquilo que já temos.”

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“Sevirologia”

Quem conhece a história da Feira Preta sabe que a trajetória de Adriana Barbosa começou exatamente assim, com o que tinha em mãos. “Comecei a empreender há 17 anos, e venho de uma família liderada por mulheres. Minha bisavó era muito inventiva, e todas as vezes em que faltava alguma coisa em casa ela cozinhava usando o que tinha na dispensa, e eu entregava. Primeiro, coxinhas; depois marmitex. E lá ia eu entregar. E logo ela resolveu abrir um restaurante em nossa casa. O Effectuation, para a gente, era muito presente. E para nós era a ‘sevirologia’. Quando me vi sem emprego, peguei minhas roupas e comecei a vender, trocar, dentro desse contexto da necessidade, mas com bastante abundância criativa. Eu e uma amiga pensamos em criar uma feira que tivesse a ver com nossa história e representatividade. E viemos de um fracasso – umas das feiras de que participamos sofreu um arrastão e perdemos toda a nossa mercadoria”, relembra ela.

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Em 2002, frequentando ‘baladas’ de black music, Adriana percebeu que São Paulo fervia de música negra. “Jovens que eram DJs, produtores, toda uma cadeia de produção negra, e quem contava dinheiro no fim da noite eram só homens brancos. E isso me incomodava muito. Dentro desse contexto, eu e minha amiga, sem termos 1 real no bolso, resolvemos criar a Feira Preta e juntar essas iniciativas de jovens negros. E hoje ela é a maior feira da América Latina. Ouvindo a Saras, vejo o quanto a gente trouxe inovação nesse processo. A população negra hoje é mais de 54% no país, e ela se tornou mais ativa por uma série de ações. À medida que essa população se autodeclara como negra, ela muda o mercado. Vai procurar produtos e serviços de acordo com sua representatividade e especificidade. Foi grande a inovação trazida por essa sociedade civil e o quanto isso representou em termos mercadológicos. Não há hoje, por exemplo, nenhuma empresa que não tenha produtos para cabelos crespos e cacheados”, diz Adriana.

Ela lembra que, na categoria microempreendedor individual, os negros são maioria, “porque eles não são absorvidos pelo mercado formal. O que eu quero reforçar é que a gente veio de uma lógica da escassez, da necessidade, mas temos potência, uma abundância enorme na nossa forma de fazer, de criar. E o maior legado que a população negra pode entregar para o Brasil é esse de criar na escassez. Desde as mulheres dos tabuleiros da Bahia até as youtubers com suas grandes marcas”, define.

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Essa mesma lógica da potência criativa na escassez permeia empreendimentos como o jaUbra (aplicativo de táxi criado para atender moradores da região da Brasilândia, a partir da recusa de motoristas de outro aplicativo em atender a ‘quebrada’); a Boutique de Krioula (marca pioneira em moda afro no Brasil, criada por Michele Fernandes, moradora da região de Capão Redondo, em São Paulo, que começou com turbantes afro e hoje atende todo o país e já tem revendedoras em Portugal, Argentina, Estados Unidos e Angola); e a Epetz (que fabrica produtos para animais de estimação associados a projetos sociais que tiram mulheres de situações de vulnerabilidade social ensinando costura e remunerando-as pelos produtos).

Effectuation e outros aprendizados

A teoria criada por Saras Sarasvathy baseia-se em alguns pontos:
1-    Pássaro na mão (começar com o seu meio e trabalhar com o que se tem)
É possível começar um negócio com seus próprios meios, com o ‘pássaro que você tem nas mãos’. O ponto de partida são três perguntas-chave: Quem eu sou? O que eu sei? Quem eu conheço? Fazendo uma analogia com comida, Saras diz que, na lógica causal, as pessoas seguiriam uma receita de comida que foi pré-determinada e preparada com antecedência. Já na teoria do Effectuation, a comida é preparada a partir do que há dentro da geladeira – decide-se na hora o que preparar com a experiência que já se tem.

2-    Perdas toleráveis
Em vez de focar no possível retorno, pensar nas possíveis perdas e em como minimizar isso. “Comece com um negócio simples, não importa sua formação. O princípio é dar o primeiro passo e como fazer quando tomar o primeiro tombo”, diz Saras. O empreendedor eficaz não investe tudo o que tem, mas sim a quantia que pode perder. A ideia é não investir mais do que se pode arcar com o prejuízo. Não investir mais do que pode perder.

3-    Fazer do limão uma limonada
As coisas podem dar errado, claro. E as surpresas não são necessariamente coisas ruins. Podem e devem ser exploradas para descobrir novas oportunidades e mercados. “Você vai encontrar rejeição, fracasso, e tem que transformar essas coisas o tempo todo. Temos que nos adaptar”, diz Saras.

4-    Colcha de retalhos
Enquanto o pensamento causal vê um problema a ser resolvido como peças de quebra-cabeças – predeterminadas e com previsibilidade -, no Effectuation o problema está mais para uma colcha de retalhos, que vai ganhando forma na medida em que vai sendo construída. O futuro é construído a partir do que as pessoas fazem. Novos mercados e produtos surgem a partir de restrições e oportunidades geradas por pessoas que trazem recursos. Por isso, é importante um comprometimento com alianças estratégicas, parceiros com habilidades complementares.

5-    O piloto do avião
Uma quantidade pequena de negócios hoje bem sucedidos já começou grande. A maioria deles surgiu pequena, pois como exemplifica a própria Saras, existe uma distância grande entre servir uma refeição e construir uma rede de restaurantes. O futuro não pode ser previsto, mas empreendedores podem controlar alguns fatores que são determinantes.

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Maure Pessanha, diretora executiva da Artemisia, diz que o trabalho de Saras foi uma inspiração para o trabalho que a organização desenvolve desde 2004, pioneiro na disseminação e no fomento de negócios de impacto social no Brasil. “Observamos alguns pontos importantes nesses anos todos de nossa atuação, que quero compartilhar com vocês”, diz ela:

Gaste menos papel e mais sola de sapato: nem sempre precisamos de um mega plano de trabalho, mas precisamos estar na rua, conversando com as pessoas;
– Assuma a mentalidade de principiante: os porquês sempre são importantes; não julgue, pergunte tudo o que puder, seja curioso e escute;
– Ao invés de esperar pela inovação, identifique a ‘gambiarra’: muitas vezes há um mercado informal que você pode profissionalizar, improvisos podem virar negócios;
– Faça rápido: coloque em prática, teste, erre e aprenda rápido com os erros que você pode pagar;
– Ouça sua intuição: temos uma sabedoria interna que é importante, saber o momento de parar é algo que a intuição ajuda a identificar.

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