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Mitos e barreiras ainda limitam acesso. Especialistas apontam como caminhos educação financeira e maior abertura por parte das instituições.

A taxa de desemprego no Brasil atingiu 12,7 milhões de pessoas em janeiro deste ano enquanto o número de trabalhadores autônomos e de empregadores teve recorde histórico, reunindo, respectivamente, 23,9 milhões e 4,5 milhões de pessoas, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em um país onde mais de 27 milhões de pessoas estão envolvidas na gestão ou criação de um negócio, o microcrédito desponta como fonte alternativa de recursos aos micro e pequenos empreendedores, formais ou informais, e, ainda, como ferramenta auxiliar no combate à pobreza e à exclusão social.

No contexto do microempreendedorismo brasileiro, o microcrédito tem por finalidade impulsionar o início ou ampliação do negócio, apresentando-se como ferramenta disponível para sanar as necessidades financeiras, a um custo relativamente baixo, para aqueles que não têm acesso aos sistemas convencionais de crédito.

“O microcrédito é o melhor instrumento de inclusão social e de geração de emprego e renda. Com ele, o microempreendedor já começa a sair da informalidade que tanto o atrapalha”, observa Jeronimo Ramos, conselheiro da Aliança Empreendedora e especialista em microcrédito, tendo atuado como superintendente da operação de microcrédito do Santander.

O apoio aos microempreendedores brasileiros por meio do microcrédito é importante também em razão de esse setor perder oportunidades de crescimento com segurança, principalmente porque não tem acesso a serviços financeiros com taxas adequadas. Estima-se que essa massa sem acesso a serviços financeiros adequados represente mais de 80% do universo de microempreendedores que atuam no Brasil. Por falta de opção e acesso ao crédito, eles recorrem a fontes de recursos alternativas, como, por exemplo, empréstimos de familiares e amigos, linhas de cheque especial e cartão de crédito – que possuem taxas de juros que não condizem com as necessidades e capacidade econômica do setor – e até agiotas.

“Temos, hoje, no Brasil, cerca de 40 milhões de empreendedores que vivem na informalidade e fora do sistema financeiro. Algo em torno de cinco milhões já consomem alguma linha de microcrédito, seja urbana ou rural. É possível ampliar o acesso e escalar essa base em duas ou três vezes”, observa Jeronimo.

Frente a esse cenário e ao crescimento do empreendedorismo nas classes mais baixas – refletido no aumento dos pedidos de acesso ao microcrédito -, é inegável a importância da modalidade para o setor. Mas, ainda são muitas as barreiras que limitam e restringem o acesso amplo ao instrumento.

Microcrédito produtivo e orientado

Diferentemente das modalidades de financiamento ao consumo, o microcrédito produtivo e orientado é um instrumento financeiro que contribui para a geração de renda de quem o acessa, da qual decorre uma importante capacidade de avanços sociais.

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Por definição, essa iniciativa é voltada a microempreendedores, geralmente residentes de comunidades em desenvolvimento social e que não estão incluídos no sistema financeiro, portanto sem acesso a financiamentos. Em vez de atender a grandes corporações, essa modalidade atende a micronegócios.

Para Jerônimo, o foco em orientação financeira ajuda o microcrédito a ter um caráter de transformação social porque auxilia o empreendedor a melhorar o desempenho do seu negócio e desenvolvê-lo permanentemente. Os agentes de crédito são peças-chave nessa relação, já que são os responsáveis não só pela oferta do crédito, mas pelo acompanhamento personalizado e pela consultoria aos empreendedores – pontos fundamentais para o sucesso da operação, segundo o especialista.

Tatiana Rogovschi Garcia, coordenadora de projetos da Aliança Empreendedora, observa que o setor do microempreendedorismo no Brasil é composto por empreendedores que têm, na sua maioria, baixa escolaridade e dificuldade de acesso à informação sobre gestão financeira. “O controle financeiro do negócio, muitas vezes, não é priorizado e o microcrédito produtivo e orientado ajuda o microempreendedor a desenvolver esse olhar para o seu negócio. É o melhor dos mundos”, afirma.

Mitos e barreiras

Os microempreendedores que desejam iniciar um negócio enfrentam dificuldades. No Brasil, o acesso ao crédito para o micro e pequeno empresário, sobretudo aquele que está iniciando, continua sendo um problema. Mesmo que tenha uma ideia promissora, o empreendedor não consegue crédito bancário com facilidade.

Para o conselheiro da Aliança, são vários os entraves. Um dos principais ainda é a informalidade. “A informalidade gera preconceito para com o empreendedor e dificuldade de avaliação do crédito. O empreendedor, em muitos casos, desconhece o microcrédito e não tem coragem de bater na porta do banco. Em outros, ele é o ‘faz tudo’: compra matéria prima, produz e vende. Não tem tempo para fechar o negócio e ir até um banco ou outra instituição, que, em muitos casos, também é distante, principalmente no norte e nordeste do país. Entendo que as instituições que atuam com oferta de microcrédito têm que desenvolver uma busca ativa desses microempreendedores”, defende o especialista.

De acordo com Tatiana, estudos mostram que 34% da população brasileira recebe salário em espécie; 57% tem conta bancária, mas apenas 7% utiliza a conta mais de uma vez por mês. “A inclusão financeira do brasileiro ainda está muito aquém do desejado. Muita gente paga conta em lotérica, pouquíssimas pessoas usam internet, 80% da população de baixa renda nunca pediu crédito. A barreira começa em ter que ir ao banco e receber um não, dentre tantos que recebem por descrédito, preconceito, pensando em auto-estima dentro da realidade de vida dessa parcela da população.”

A coordenadora conta que no início do Geração Empreendedora – programa da instituição que trabalha com jovens microempreendedores entre 18 e 35 anos -, houve dificuldade para formar parcerias com organizações tradicionais que oferecessem crédito para esse público.

Provocada por essa realidade, a Aliança lançou uma chamada em sua rede, reuniu essas organizações e microempreendedores, além de organizações que atuam no fomento ao microempreendedorismo, em um workshop a fim de compreender os entraves e construir soluções conjuntas.

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Em abril, a organização promoveu um webinar com as mesmas instituições que participaram do workshop a fim de apresentar um panorama do que já existe em termos de soluções e boas práticas, bem como dados e pesquisas que contribuam para que essas instituições possam refletir sobre sua atuação.

Está previsto ainda um encontro presencial que reunirá outras organizações do setor de oferta de crédito para dar continuidade à reflexão e construção conjunta de soluções. Ao final desse processo, a Aliança pretende realizar uma análise do impacto desses eventos na melhoria do acesso ao microcrédito. Todo esse trabalho culminará no Fórum Brasileiro de Microempreendedorismo, que acontece dia 03 de julho, em São Paulo-SP.

“A ideia é trazer pessoas referência no tema para compartilhar experiências e boas práticas a fim de inspirar outras organizações e melhorar o acesso a crédito no ecossistema do empreendedor da baixa renda”, afirma Tatiana.

Caminhos para ampliação do acesso

Algumas soluções têm sido criadas no sentido de facilitar o acesso ao crédito para o microempreendedor. Tatiana alerta que existem muitas organizações que oferecem crédito ao setor, porém encontram dificuldade na hora da avaliação. “Esse empreendedor não tem um histórico que traga um score que atenda aos requisitos das organizações. As pesquisas mostram que de 1995 a 2015 houve um crescimento importante no acesso a crédito muito puxado pelo cartão de débito da baixa renda, mas com queda desde então. A não ser as cooperativas de crédito, em que vemos um aumento real no acesso por parte desse público”, observa.

Para a coordenadora, para a ampliação do acesso são necessárias mudanças processuais no que se refere ao preparo do microempreendedor e também na forma como as organizações oferecem o crédito e se aproximam e se relacionam com o setor. “Existe um trabalho que precisa ser feito da porta para fora com o empreendedor, mas também da porta para dentro com as organizações que oferecem crédito. É necessário que sejam oferecidos produtos que atendam à necessidades desse público para não somente melhorar o acesso, mas acesso com qualidade.”

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O programa Geração Empreendedora vem criando, junto com organizações da chamada, um arcabouço de sugestões de ferramentas e soluções que visam a reduzir os dilemas encontrados por organizações de crédito e microempreendedores: 1) Plataforma para simulação do empréstimo; 2) Mutirões nas comunidades para identificar e orientar microempreendedores potenciais; 3) Plataforma formativa (com conteúdos, treinamentos, cursos, etc. que ajudem o microempreendedor a melhorar seu conhecimento e comportamento financeiro); entre outras.

Para quem quer mais informações, Tatiana acrescenta que no âmbito do programa também foi produzido um guia de acesso a crédito. O material ajuda o empreendedor a refletir sobre a oferece informações sobre a necessidade de investimento financeiro e possibilidade de ativação de outras fontes que não financeiras para desenvolvimento do negócio,  planejamento e análise de gestão financeira, trazendo informações sobre organizações que oferecem crédito e que podem ser boas opções para o microempreendedor. “Nós mapeamos organizações e identificamos as que podem ser opções interessantes para o microempreendedor e detalhamos como funcionam, suas taxas de juros, entre outras informações. Nossa atuação tem como foco a cidadania financeira, ou seja, no quanto esse empreendedor está saudável financeiramente e no impacto da boa saúde financeira na sua família, no seu entorno e na geração de trabalho e renda”, explica a coordenadora.

Dicas

Apesar do potencial do microcrédito, Jerônimo pede cautela. “Eu costumo dizer que tomar um empréstimo deve ser sempre a segunda opção. A primeira é esse empreendedor usar seu próprio capital, não se endividar. Ele tem que fazer o dinheiro trabalhar para ele, e não ele trabalhar para o dinheiro. Mas, se ele não tiver o capital, entendo que o microcrédito é a melhor opção. E, muito importante, ele só deve tomar o empréstimo para aplicar na sua atividade econômica e dentro de suas possibilidades de pagamento”, recomenda o especialista.

Para as instituições que trabalham com oferta de crédito, Jerônimo chama atenção para a existência de um amplo mercado de potenciais consumidores de produtos bancários e, principalmente, de microcrédito. “Que desenvolvam, proativamente, uma relação de proximidade e de confiança com esse público e ofereçam produtos simples e acessíveis. E não deixem de oferecer a orientação financeira. Respeito e acesso ao crédito na dose certa. Chamo isso de ‘círculo virtuoso’ do microcrédito.”

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